CAMINHOS DA BAHIA
O seu destino é a nossa praia
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
Ilhéus de Jorge Amado
Cores, sabores, musas. Jorge Amado recheou a literatura nacional de belezas,
exultou as qualidades e deu poesia às injustiças da primeira terra onde Cabral
pisou, num descobrimento não só da Bahia - e de sua sociedade tão díspar e
miscigenada -, mas da narrativa de quase um século de história política do
Brasil.Este ano, mais precisamente no dia 10 de agosto, o escritor completaria
100 anos. E não vão faltar comemorações.
Das cerca de 40 obras de Jorge Amado, pelo menos 30 se passam em terras
baianas. E ao andar pela capital Salvador, onde o autor passou a maior parte da
vida, ou pela chamada Costa do Cacau (Ilhéus, Canavieiras, Itacaré, Una, Santa
Luzia, Uruçuca e Itabuna, essa última, cidade natal do escritor), fica fácil se
transportar para suas histórias, não só pelos cenários reais, mas pelo carinho
(e marketing) dos locais para com Jorge. Não faltam botecos e restaurantes com
menção a seus personagens - peixes à Gabriela, quibes do Nacib ou moquecas de
siri mole, prato que deixava os lábios de Vadinho amarelos de dendê, em Dona
Flor e Seus Dois Maridos.
Em Ilhéus, onde o escritor morou na infância e adolescência, cenário da obra
mais famosa do chamado ciclo do cacau de Jorge Amado, tudo faz lembrar a morena
Gabriela e os personagens do romance. Publicado em 1958, Gabriela, Cravo e
Canela mistura fatos e personagens reais com a imaginação do autor no
retrato sem pudores do conservadorismo dos coronéis, escancarando a hipocrisia
da alta sociedade da época. Na ocasião do lançamento, o livro foi uma bomba na
cidade, ainda comandada pelos coronéis do cacau, e o escritor foi declarado
persona non grata. Mas é engraçado e encantador ver como, até hoje, a
polêmica de seus livros e personagens estão vivos nas ruas da cidade.
Quem anda pelo chamado Quarteirão Comercial, no centro, e ousa lembrar da
obra em voz alta, pode ser abordado por moradores mais velhos. "Jorge Amado
tinha é muita imaginação. Dona Lourdes era uma mulher muito respeitada e
distinta. Nada tinha de Gabriela", disse uma senhora à reportagem do
Estado. A ilheense indignada se referia aos antigos donos do
Bar Vesúvio, o libanês Emilio Maron e sua mulher, a exímia cozinheira Lourdes
Maron, que, dizem, serviram de inspiração para Nacib e Gabriela - fato que
aborrece os familiares do casal até hoje. Outra versão dá conta de que Gabriela
seria uma mistura entre dona Lourdes e Felipa, mulata sensual que teria virado a
cabeça do português Figueiredo, outro dono do Vesúvio, bar que existe até hoje
ao lado da Catedral de São Sebastião.
Também no centro de Ilhéus, a casa de Antônio Pessoa, filho de coronel e
antigo dono do cartório, também virou ponto turístico. Tudo porque, em 1975,
Pessoa garantia que o personagem Tonico Bastos, vivido na época por Fúlvio
Stefanini (e, hoje, por Marcelo Serrado), era inspirado nele - e saía pelas ruas
para assuntar a opinião dos ilheenses sobre a novela da Globo.
Maria Antônia Machado, dona do cabaré Bataclan, apelidada por Jorge Amado de
Maria Machadão, é outra lenda na cidade. No prédio que até 1946 servia de sede
da boemia local, hoje funciona um restaurante com um pequeno museu dedicado à
personagem real. Conta-se que ela realizou o sonho de toda "mulher dama":
casou-se com um alfaiate e foi morar no Rio. Na parede, dois supostos retratos
dão pista que Machadão foi uma mulher atraente. Um deles, cedido por um
nonagenário que garante ter conhecido a Maria Tomba-Homem.
As histórias de Jorge Amado também sobrevivem nas fazendas de cacau, muitas
abertas à visitação. É lá que antigos moradores relembram causos da Ilhéus rica,
quando a cidade era a maior produtora de cacau do mundo. Lutas sangrentas para
proteger as terras e histórias das famílias se misturam a objetos de época,
transportando o visitante para o cenário de livros como Cacau (1933),
Terras do Sem Fim (1943), São Jorge dos Ilhéus (1944) e
Tocaia Grande (1984). Ali também os descendentes dos coronéis negam que
eles fossem tão cruéis como sugeria as obras de Amado, aumentando a polêmica em
torno do escritor.
Festa. Renegado e odiado pelo poder vigente durante décadas,
o autor só voltaria ovacionado a Ilhéus em 1997, quando participou da
inauguração da Casa de Cultura Jorge Amado, no sobrado onde viveu, no número 21
da rua que agora leva seu nome. Mas, neste ano de seu centenário, Ilhéus prepara
uma festa digna de um pedido de desculpas.
Batizado de Amar Amado, o festival ocorre de 4 a 12 de agosto e promete shows
de Caetano Veloso, Margareth Menezes, Família Caymmi e Orquestra Sinfônica da
Bahia. Haverá ainda peças de teatro, dança, exibição de filmes baseados em suas
obras e discussões sobre os romances em uma feira do livro. Musa de Amado na TV
e no cinema, Sônia Braga foi convidada a ler trechos dos livros do escritor,
assim como José Wilker, que interpreta o coronel Jesuíno Mendonça na nova
Gabriela, da Globo, e já participou de outras adaptações. Além disso,
os restaurantes da cidade incrementarão os pratos prediletos do autor.
E como na Bahia festa é quase um clichê, depois das fartas comemorações ao
aniversário de Jorge Amado, que devem durar até o fim do ano, outro evento de
igual importância deve se seguir em 2014, a celebrar o centenário de outro
ícone: Dorival Caymmi, que não por acaso, era grande amigo e compadre de Jorge
Amado.
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