Há mais de dois centenários que uma tradicional festa cultural católica faz parte da vida de diversas gerações de famílias nos municípios praianos de Caravelas, Alcobaça, Prado, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, principalmente em Prado, de onde partem todas as esmolas perambulantes com seus santos peregrinos, que passam 5 meses viajando de casa em casa dando benção às famílias e promovendo cantorias de reis tradicionais.
Da cidade do Prado, há quase 300 anos, desde que o local era comunidade demarcada da província de Porto Seguro, santos tradicionais como São Sebastião, Nossa Senhora do Rosário, Divino do Espírito Santo e mais recente São Benedito com 188 anos de peregrinação, partem todo o mês de novembro da cidade do Prado em direção a todas as comunidades tradicionais católicas dos municípios da costa do descobrimento.
Uma equipe do Teixeira News acompanhou por três dias a esmola peregrina da Pomba do Divino Espírito Santo, quando a romaria do santo visitava as comunidades do córrego do Ibassuaba e Foz do Rio Cahy na região de Cumuruxatiba, litoral norte do município de Prado. São muitas cantorias e um grupo de pessoas se desloca cantando e tocando instrumentos musicais fazendo uso de temas religiosos, referindo-se principalmente ao nascimento de Jesus e visita dos Reis Magos. A chegada das folias em uma residência é cercada por rituais. A bandeira sempre vai à frente, carregada pela moradora da residência anterior, que entrega à dona da casa do próximo imóvel onde a folia se alojará. E o santo é carregado pelo esposo, seguindo o mesmo ritual de passar para o próximo morador.
Os primos Edson Robson dos Santos, 25 anos, e Reginaldo Cancela dos Santos, 39 anos, estão este ano encarregados pela folia do Divino do Espírito Santo, que trata-se da romaria ambulante mais antiga da região com 328 anos de tradição, embora, há 14 anos, não saia da cidade do Prado. Os primos partiram com a Pomba do Santo em novembro passado da sua paróquia em Prado, sob a benção do Padre Ariston Domingues de Araújo e deverão chegar de volta ao Prado no dia 17 de Abril de 2011. Edson saiu na folia de São Benedito por 6 vezes e este ano resolveu acompanhar a esmola do Divino. Já Reginaldo tem 19 anos de tradição em vários santuários ambulantes e é a segunda vez que sai na peregrinação do Divino.
A família Guedes Borborema, uma comunidade tradicional formada por caboclos e índios nativos da região do córrego do Ibassuaba, em Cumuruxatiba, preserva todos os anos a tradição de receber todos os santos peregrinos, onde cada filho da comunidade abriga por um dia a esmola em sua casa e com apresentações diárias. A comunidade Guedes Borborema começou a ser formada nesta localidade em 1931, quando o caboclo nativo de Cumuruxatiba, Lúcio Guedes da Silva e sua esposa, a índia nativa da aldeia da Borborema no Pernambuco, Madalena Nunes Borborema, se casaram, ele com 17 anos e ela com 13 anos, onde tiveram 20 filhos, 78 netos e 66 bisnetos, e hoje forma um povoamento tradicional de caboclos produtores rurais e pescadores, todos católicos com mais de 600 habitantes numa área de 10 alqueires de terra, ramificados da mesma família.
A matriarca da família Madalena Nunes Borborema morreu aos 83 anos no dia 28 de novembro de 2002 e o patriarca, Lúcio Guedes da Silva, morreu aos 93 anos no dia 08 de maio de 2007. Mais filhos, netos, bisnetos e seus respectivos descendentes mantém a tradição na família de receber todos os anos, todas as cantorias católicas que passarem pela comunidade. Este ano, tão logo o Santo São Benedito passou pelo povoamento, foi à vez da Pomba do Divino do Espírito Santo e mais uma vez, seus foliões receberam a tão esperada receptividade.
Para o folião Edson Robson dos Santos, existem lugares onde eles passam que as pessoas batem com a porta na cara do santo e dos seus acompanhantes, mas em 90% dos casos onde a visita é pela primeira vez, os moradores recebem muito bem o grupo. As pessoas ajudam contribuindo principalmente com prendas: frango, leitoa, boi e até com dinheiro. Essas doações ajudam a realizar as apresentações e a manter a folia peregrinando. Mas, Reginaldo Cancela dos Santos, lembra, que se o morador não puder colaborar, não tem problema. “Nós cantamos do mesmo jeito”, afirma. Durante a cantoria, a bandeira do santo é levada pelos diversos cômodos da casa para abençoar o imóvel.
“A tradição da folia é familiar aqui na comunidade dos Guedes Borborema. Eu talvez fosse o filho mais distante da folia, mas antes do meu pai morrer ele passou a bandeira de São Benedito para mim por uma ocasião da visita da sua romaria em nossa casa. Só quando o papai faleceu, entendi que aquele gesto fosse um desejo dele, e este ano é a terceira vez que acompanho a folia de São Benedito. Posso garantir que a atitude de acompanhar o santo e aprender a tocar instrumentos, mudou a minha vida e comei a ver o mundo de outro ângulo e dá mais importância para as coisas de Deus”, disse o produtor rural Valdomiro Guedes Borborema da Silva, de 66 anos.
A animação não esconde a preocupação com a continuidade do costume de se festejar a chegada dos santos peregrinos nas comunidades tradicionais. “Poucos se interessam, só os mais velhos, mas nós queremos ensinar para outras pessoas a também valorizar esta cultura”, lamenta a produtora rural Carmelita Guedes Borborema da Silva. Segundo ela, não é fácil ensinar a alguém de fora da comunidade, que não conhece a tradição. Ela acredita que saber cantar ou tocar para acompanhar a folia é um dom de Deus.
“Meu esposo era apaixonado pelas folias e preservava esta cultura folclórica como ninguém. Embora a folia e suas marujadas nos façam lembrar muito ele, que faleceu prematuramente em 22 de maio de 2009, aos 55 anos, mesmo assim, procuramos manter a tradição da nossa família em Cumuruxatiba”, relata dona Carmelita. No entanto, acrescenta esperançosa, que muitas crianças que acompanham a folia demonstram gostar da atividade. “É a nossa tradição, nós gostamos muito. As mulheres, as crianças, todo mundo respeita e tem amor pela festa do mastro de São Sebastião de Cumuruxatiba em 20 de janeiro e pelas visitas dos santos romeiros em nossas casas”, concluiu.
Por Ronildo Brito (Site Teixeira News)
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